domingo, setembro 17, 2006

Escrevi isso a uma amiga há muito tempo atrás.
Será que é pertinente hoje?

Toma pra ti

Esquece o teu medo e te lança no abismo
Te joga de frente na escuridão do desconhecido
Da não resposta
Do não olhar
Da não certeza
Descobre nas ações tuas palavras
tuas linhas
Te liberta pra vida como se ela fosse um papel
Branco, preto, sujo...
Se difícil, faz esforço
Faz um pequeno esboço
Salta os pés do chão e te lança no vento
Não tenha medo
Nem receio
Mesmo que o retorno seja lento
Mesmo que a aparência engane
Mesmo que o receio de incomodar te acanhe
Toca as nuvens e tras a calmaria, a segurança
a certeza de que muito mais que medo, incômodo, vergonha
a vida pode ter esperança.

quinta-feira, setembro 14, 2006

Sobre ser velho.

Quase me esqueci! Quando vi o "Bené" no mar de lama do Jornal Nacional, lembrei. Não que tenha pretensão alguma de ter o cacife intelectual do velho homem, mas a calma pessoal, sabendo tudo o que sabe.
Tem sido recorrente os questionamentos com relação a minha velhice. "Tu és um velho", "imagina quando fores velho", e outros tem salpicado minhas conversas com as pessoas que me rodeiam. Tenho feito amigos e conhecido pessoas como nunca antes. Essas novas sempre levantam coisas desse tipo.
Dentre minhas pretensões tenho a ressalva constante de buscar ser um ser criativo e honesto. Materializar isso, num mundo tão cretino é difícil. De tão diferente você chega a ser alijado, quando implementa um postura de bem estar ou de ponderação. Trabalho todos os dias para que minha vida não passe em branco por mim. Há quem pense que esse é um fardo demais para se carregar com a idade que tenho. Que tenho que ter mais jovialidade. Não sou assim! Sou brincalhão, divertido, mas não vim a vida à passeio. Buscar ser "elemento de transformação da sociedade" já é um jargão pro deboche, como se quem o vive como objetivo vivesse um autismo facultativo numa fuga utopista. Não quero nada, senão algo para minha própria realidade. Se isso significa ser velho, que seja...
Quanto à velhice em si, penso que para me tornar algo que mereça admiração minha na posteridade, preciso implementar coisas agora. Preciso estudar mais que o normal; me intelectualizar mais que o normal; dar valor aos sentimentos mais que o normal; me apaixonar mais que o normal; enfim, viver "por amor às causas perdidas". Até porque ninguém até hoje conseguiu me provar da existência da normalidade. Se falarem do normal como justificativa conformista, não é normalidade, é "normalose".
Espero que meu esforço - às vezes tido como martírio - traga-me frutos honrosos para a melhor idade. Até acho que serei um velho interessante. Não terei mais a ânsia de responder ao tempo. Ele haverá passado. Então serei apenas mais um barba branca, vivendo no mundo e esquecendo que os outros esquecem de mim.


Que a Força nos acompanhe...

quinta-feira, setembro 07, 2006

(...) ainda no romance silencioso, ele diz a ela:

E não sei dizer. Quantas vezes hei de lembrar da tua distância. Não morro, mas sobrevivo. Exercito o que não vivo. E te vejo longe. Minha barba cresceu. Tirei. Cresceu de novo. Ainda me pergunto se tiro ou se deixo. Quando tirei, medi pra ver ela me levava até tua casa. Não chegava nem perto.
Teus cabelos se alongaram. A franja virou mecha. Te congratulo em silêncio pela tua vitória. Mérito teu do quanto ela cresceu. E ainda parto meu coração nas esquinas. Do que me deixaste dele retorcido, o quebro como vidro. E queria cortar-te os cabelos. Quem sabe os teus me mostrem que não me perdi no teu descaso. Que não me esqueceste só por acaso.
Hoje vou dormir
Quero esquecer que estou aqui
Descer da realidade e voltar
Pra qualquer lugar
Que não aqui

Vou esquecer de pensar
Me desfazer
Não lembrar
Que meu lugar é esse, aqui

Apagar seus olhares
Desviver as expectativas
Reviver minha próprias tentativas como se elas fossem minhas

Como se elas fossem minhas...

Entrego-me no devir
Deixo me embalar ao som do vento
À musica que me dá acalento
E invento...
Me enfurno no convento

Desfaleço na própria vontade de viver
E á medida que feneço
Me acalmo, amorteço
Esqueço do amor que teço
Apago o amor teu
Só eu

Sozinho, eu pereço
E reconheço o preço de não ser qualquer
De querer ser homem para toda mulher

Me tranco na frieza enclausurada da vitrine
Me resigno no silêncio que o amuleto me restringe
No bolso alheio
No adorno inteiro

Na cena eterna te salvar os outros e esquecer que esquecem de mim.

sábado, setembro 02, 2006

(...) E ela diz a ele:
Quase nunca estamos como sempre nos encontramos. Quase nunca somos o que antes vivemos. Nos desencontramos à medida que permanecemos. E ao mesmo tempo que te amo, te odeio. Não acredito mais em ti. Não sou mais eu através das tuas palavras, do teu olhar. E, assim, não me resta saída senão dizer que não quero te encontrar. Já não nos deixamos amar como antes. Só crescemos nas possibilidades de ofensa, de aumento do pranto.
Meu amor, não te quero assim. Não me quero ver no fim, mas não te quero assim. Eu te ligo como um fardado marca sua hora de apresentação. Te falo do meu dia por um noticiário a respeito dos fatos, do horário. E se não me atendes, enlouqueço. Me desfaço da calamidade insana que me apeteço. Como me ligas, eu te cobro. Me acalento das justificativas de minhas desconfianças; e te cobro... Te ofendo; me ofendo; te perco; me perco. Já pretendo ser muito mais do que somos, e reconheço que nosso fulgor não paga nossas dívidas mortais. E falecemos de nossos erros fatais. E ligo; e grito; e esperneio pra ver ser meu orgulho te causa mais dos que o esteio. Me desespero; me descontrolo na louca tentativa de te trazer príncipe aos meus braços; de fazer matéria a idéia de ti que insito em carregar nos meus passos.
Se não me atendes eu choro, assim como choras. Lamentamos a morte do que nos movia, do que nos fazia encontrar, do que me fazia te amar. Não te entendo por que te amo. Faço por que quero que me entendas. Não te amo, por que te amo. Faço por que não quero que me prendas. Que me acorrentes na tua ausência. Que me faça te ver com outra. Que me deixes comigo. Apenas comigo. E enlouqueço... Almejando o começo. Enlouqueço por que não aconteço. Por medo de mim, prefiro pagar nosso preço. Nossa dívida no fim.
(...) E ele diz a ela:
Ontem, sonhei contigo. Mesmo assim como estamos. Mesmo não estando, ontem, sonhei contigo como se tivéssemos. Será um sinal do fim dos tempos? Mas, de todo modo, não éramos mais nós. Eras com outro. Ontem me disseram que o mundo dá voltas. Na empreitada sonolenta, eu era alvo do que te fiz. Tive de te assistir amar outro. Um irmão meu. Te queria para mim, assim como te queria feliz com ele. Te odiei por me fazer sentir aquilo. Te odiei por não quereres estar comigo. Na fábula metafísica, dei-me por convencido. Desenvolvi um respeito por um amor que não era o meu. Mas acordei aliviado ao perceber que tudo era a ironia que o sonho me acometeu. E estou com raiva. E te odeio acordado pela traição em sonho.
Que traição? Nunca foste minha. Te entregaste aos meus braços, à celebração de meu lirismo amoroso que se personificou na possibilidade do teu amor, mas nunca foste minha! Fui respeitoso, não quis te roubar; não consegui te fazer minha. Nossa, que saudade do teu carinho! Me joguei nú ao teu encontro; me perdi na dor do desencontro. Não me arrependo. Me apaixonei e te amei à beira do abismo, do ponto alto. Sofri tua ausência por que toquei teu corpo nos céus da complacência. Me achei no fervor solidário que esta valsa me fazia sentir. E ainda sinto. Ainda sinto... E sinto tua falta. Como dói a tua falta. Faltei no compartilhamento das vagas pro hoje. Fiquei no passado. Eu sei, escolhemos. Mas pouco é maior do que a cegueira que teu nome me causa esta noite.
Te amo. E assim permaneço em meu pranto. Essa vil dor que não faz sumir o encanto. Quando te racionalizo, sozinho, enfim, me realizo. Sozinho em mim sobrevivo. A te amar como se tua carência fosse presença. A me encontrar na dor do teu descaso, desta latência. A viver o que em mim ainda estabeleces. A me perder no que em mim permaneces.