quarta-feira, dezembro 16, 2009

Encontrei isso inacabado.
comecei em 04 de outubro de 2009,
terminei ontem..



Ele coçava leve o forro do braço do sofá, recontando seus passos enquanto a sala esperava uma decisão sua. Começou a tarde lá, e lá continuara até o meio do tempo. O relógio refletia o tempo e o espelho contemporizava a sala que parecia ter a pretensão de ser maior do que realmente era. A luz entrava devagar, apenas pela janela e desenhava a silueta do ambiente que aos poucos se fazia noite. Lembrara de tudo o que foi dito e talvez o que poderia ser dito, e de fato, repassava os fatos na mente em busca de uma resposta que tirasse da clausura de não ter respostas. Pensou em pintar... Desistiu. Já havia trabalhado nos retratos das senhoras de Positano a noite anterior quase toda. Estava cansado do cheiro da tinta. Não estava cansado do cheiro da tinta. Estava cansado do frisson que a tinta causava em suas mãos sempre se inclinando pra uma mesma forma, um mesmo olhar. Queria dizer algo novo, algo que dissesse mais, que falasse mais claramente. Estava enojado do tom sóbrio que os amarelos insistiam em tomar a forma, que sempre escondia algo. Tudo estava sempre tão subentendido, tão sugestivo. Não parecia ter um querer, ou talvez até parecessem, mas só através de uma observação minuciosa, só através do olhar de quem saber olhar a tela, coisa que não existe. Ninguém olha por que sabe, isso é alegoria de afirmação de cúpula. Não existe experiência que fale através do silêncio em pontos comunicativos díspares. E era isso. As imagens que ganhavam a tela por suas mãos eram silenciosas. Lembrava-se se Rembrandt. “Ninguém explica um Rembrandt!” Ou até de formas menos tradicionais, como Modigiani. Ele queria o poder da impressão de Renoir. Poder encontrar-se em formas completamente diferente e impensadas, mas que alcançassem o namorador das telas no toque direto. Belo, único, reto e sem rodeios... Sem precisar de legenda; sem deixar rastros de “será?”; sem dar-se o direito de deixar margem pra outro. Tudo aquilo lhe começara a soar com um ar de covardia imenso que não lhe parecia prudente contar. Olhava os traços na tela e não conseguia não ver a conversar contida de dois solitários, dos quais, ambos são e estão sempre sem coragem de dizer o que deve ser dito...

E permanecia consternado. A chuva caía lá fora. Molhava a janela. O vidro era um mosaico de imagens distorcidas pelas gotas que escorriam. Essas gotas não estavam nele, não molhavam seu rosto triste. Estavam na janela. Era como se as nuvens chorassem a frustração do universo que rodeia. Ele não estava triste. Carregava um dedinho de solidão, mas não estava triste. Pelo contrário, agora sabia o que queria. Só não sabia por onde começar, pois tudo andou tão descompassado e desvairadamente entorpecido nos últimos tempos, que demorou a acreditar que as lágrimas que desciam dos olhos do céu, não eram suas de próprio punho. Tenaz tendência. Mas, não! Não eram suas. Estava apto e com o dorso do ímpeto de uma busca. Nada de livros, revistas, ou debates. Ele buscava ali, na intermitência das coisas que lhe passeavam os sentidos. Todos ao mesmo tempo, numa apoteose de pequenas coisas. O ritmo das gotas, a luz que chega ao chão da sala, a textura do tecido do assento, o ar invadindo o peito e abandonando-o pelas narinas. Apesar de revoltoso com a mesmice, estava ansioso pelo novo, por novas oportunidades, por abrir a boca e fazer o urro desenhar tão vivaz e visceralmente o que lhe era tão inquietante imagem.

Ali mesmo, respirou fundo e dormiu...

terça-feira, dezembro 15, 2009

A cada passo que alterna os pés na rosa dos ventos, mais pulsa o ar que nos interpõe. O lodo escorregadio no chão da velha casa que criamos, cresce à medida que o silêncio continua a ser a cor das paredes... Do mesmo ninho, desgarramos e desbravamos vozes, linguagens, ritmos, dessabores, imagens e água, muita água. E posso vê-la empoçar no latão velho perdido nos entulhos que esquecemos de arrumar. E quisemos esquecer. Quisemos deixar. Hoje renascemos de tantas cinzas quanto o coração humano consegue suportar. Fomos ombro um do outro, num amor dos mais confusos e estranhos que já pude tocar. E sim, endurecemos. Com medo do escuro, nos escondemos em crostas de indiferença, em venenosas e ferinas palavras, em tão frágeis berros que tocaram com fogo o claustro fundo da dor. Do monte alto de tantas aflições fizemos parceria na guerra e dividimos sorrisos, com tão esfarrapadas desculpas para ficar perto um do outro.

Mas o hoje é tempo de adeus. Tempo de ir. Tempo que não se conta e mal se dá conta. Quando vi, éramos outros, intercalados pelo vão das palavras não ditas; dos cômodos que não se visitam. E só estamos... Antes mesmo de partir, estranhos. E só eu sei o quão alto me custa a dor de ainda dividir a geografia e não dividir o coração. De termos tamanha contiguidade territorial e tantos limites perigosos, pactos de fria paz.

Há tanto que queria dizer. Quão é almejado o espaço pra te mostrar o que aprendi não há como dizer, apenas deixar as chuva molhar o rosto. E ver-te em vista trêmula com os olhos vermelhos, com o punhal no peito e o sorriso no rosto. É, em mim, um zumbido agudo e ininterrupto esse impropério. Não passa e me acompanha apitando entre os carros, as pessoas falando, a vida “levando”. Nunca quis, nem quero, roubar tua casa, teus brinquedos e teu princípios. Não quero arrolar sobre teus olhos os meus olhos, os meus pontos, o meu tempo. O tempo é só o agora e ele passa deixando um vão abissal entre nós. Eu vou e deixo-te com os pretos velhos e as armas de Jorge; com sua capa vermelha e flamejante na luta com teus dragões. Os meus quedaram moinhos de vento, pra descobrir outra medida que não a fatalidade profetizada, e eles me aguardam fora daqui.

Da dor da ausência, a tua já me é a maior