À despeito dos ares festivos de alusão fugaz e desdenhosa, a lembrança do dia das mães me fez pensar sobre a maternidade. De fato a descendência tem sido recorrente nas reflexões que me perseguem. Não sei do quanto me é permitido falar ou intrometer, mas pra citar uma criança, o anjo ariano, filho dos deuses, tem a força da dominação. A sedução não lhe é parca de olhos abertos ou fechados, então é ele que se apresenta aqui.
Se tivéssemos que recorrer a fantasia para comentário qualquer, diria que ele é a marca pungente dos céus nos lençóis aluviais, dentro da mata. Filho da mãe d’água, explode em vivacidade arrancando sorrisos e lágrimas entre florestas e mares. Talvez por ainda reclamar pra si os atributos da infância e da inocência ainda não goza do advento da maldade deliberada própria dos homens. Está ainda na carência imediata do abraço, do beijo, de atenção carinhosa, em retalhos de molecagem e dispersão atribulada.
É filho do amor e da guerra. Se a reflexão é sobre a maternidade, a progenitora... Mãe d’água é de tensão calorosa entre delicadeza e agressividade. Força universalista que é porta pro mundo e instrumento de salvação do estranhamento. Ela é ela... Pouco se intimida e, se convidada ao conflito, ela se impõe; se compõe do cântico de resposta, na eternização concreta de uma direção delimitada pra qualquer um que ousar questionar a força da terra, a certeza de que o amor permeia essa esfera. Ninguém atravessa a cordilheira que circunda o vale seguro onde sua presteza repousa.
Não é de sangue, mas é filha de Gaia. E ninguém vai e vem com facilidade na fronteira oculta que resguarda sua casa. Ninguém encontra seu lugar na floresta. Ninguém atravessa por curiosidade ou pura intenção os corredores aluviais que estão além da simpatia, pois ela visita os homens, ela adentra as salas de convite, se entrega ao convívio com sagacidade e destreza humana de quem sobreviveu mulher aos olhares e desventuras da contradição; mas só ela sabe o caminho de volta, pois o olhar convidativo e o sorriso sedutor, inebriam o expectador em encruzilhadas sem saída, sem resposta fazendo ser qualquer se perder no caminho, na exaustão daquele momento... Não há qualquer um que, à termos, se superponha à supremacia plena de quem sai de si e volta sozinha.
Como havia dito, ninguém vai e vem com facilidade. Ninguém exceto ele. O niño herói. A imagem materna é confusa. Às vezes carrega na costa a carruagem da dor, da omissão de si, do sacrifício; e por vezes impõe a opulência de oportunidade única, de interação mágica e de cumplicidade plena. Mas da imagem se ocupam os pintores, imaginadores, os poetas e os artistas. A maternidade (essa a que se refere) é experiência direta, concreta, de afirmação e de negação de si por vida outra. É abrir e fechar portas, carregar no colo, saturar do choro, chorar de amor em coro; dormir, acordar; comer e deitar.
Ele fez certeza na intermitência temporal e geográfica que suas amarras lhe propiciaram em qualidade nômade. Não de contigüidade territorial, de espaço absoluto, mas de significado de pertencimento. Ela se exauriu e extinguiu o pertencimento de si. Ele trouxe de volta. Por mais relutância e atrevimento que sua insistência demarcasse em comportamento ousado e revoltoso, ele refez, a amarrou. Criou o amor indivisível e irrenunciável.
Para ver, basta perguntar à mãe de seu pequeno... Convidá-la à imaginação é impor a mudança de expressão em seu semblante austero. Lembrar de seu sorriso de sua jovialidade é crescer junto com ela na pureza que compõe o amor transparente numa lacuna de espaço e tempo em contemplação do invisível. O que é inimaginável só é palpável à ela... E pobres artistas somos nós, em busca do retrato que é único momentâneo e factual à quem assiste. Pintores em louvor pífio virando tintas, lavando aquarelas pra capturar a qualidade que só quem experimenta é quem vive. O amor.