quarta-feira, dezembro 13, 2006


E eis que você chega!

(O texto que completa "Quando você chegar" )

E poderia ser como outrora já foi. Ele sentado, calado, consternado. Enquanto finge que espera, se engana nas alusões imagéticas que sua mente o aponta. Não sabe mais de si como antes e não seria próprio dele se soubesse. Resguarda-se na insolência e inconseqüência de ser mais um do que nunca quis ser. Remexia o café no copo como se quisesse que esfriasse. Pudera o vapor que desenhava a umidade em seu rosto não tomar a forma dela. Podia sentir seu cheiro sem esperar. Aquele cheiro tomou conta do ar! Pra ele, tudo era ela! Ela tomou conta da luz como se fosse o dia. Era simplesmente uma vontade. E logo essa vontade lhe tomou conta da sanidade.
Detinha-se apenas em viver e cumprir seu projeto previsível. Previu tudo o que queria pra si como se planejasse uma viagem. A viagem, era sua vida, sua alegria contida. Nos momentos que teve de responder ao mundo, perdeu sua jovialidade. As querelas humanas roubaram dele sua prospecção divina, sua pulsação por dimensões outras que aludissem sua carnalidade à um patamar de possibilidades engrandecedores. Esqueceu-se de si nos sonhos. Esqueceu-se de seus próprios sonhos. E até o ponto de choque, a crise de revolta própria, esteve enclausurado no bom cidadão. Deixou-se apoderar os braços as forças imaginárias e dominadoras do exercício para o bem comum. Cedeu seu corpo à maquina maior. Era assim, até ela...
Em seus olhos hipnotizados, não a viu. Deixou-a passar por um já quase inerente descaso. E passou. Mas indecisa, retornou. Convidou-o ao conhecimento. Parecia um bom rapaz. Se tornara um bom rapaz. Talhou-se bem aos olhos da moça e sem se dar créditos maiores, deixou-a entrar. E começaram o que não deveria, desde sempre, deixar acordar, emergir. Ela era ela, não se importava muito com muito. Vivia mundana em reposta ao seu esquecimento leviano. Bela e entre muitas, para ele foi um recanto. E enrolaram-se em ambos. Entrelaçaram-se nos mantos. Encontraram-se, corpos e prantos. E como há muito não acontecia tomou ele pra si. Cuidou dele em seu colo. Pra ela muitas coisas não importavam, mesmo que importassem à ele. Ela queria ele. Ele se salvava nela. Tomou-se de paixão, pobre homem.
A luz pela janela atrás da bancada, só o remete ao primeiro momento com ela. Iluminava o copo e pouco mais que dois dedos de sua mão. Iluminava seus pensamentos entre a satisfação e o lamento enquanto ela entrava. E vinha como a resposta aos seus pedidos e desejos. Caminhava com simplicidade por todo o saguão, e na alternância de suas pernas era possível imaginar suas coxas. Perdia-se, inclusive do café, na cena que acontecia. Ele enfim, levaria ela ao sonho que vivia em estar ao seu lado. Deslocaria ela de seu leito e descolariam-se os dois da realidade, que agora já não quer mais. Viajariam para longe. As pessoas passavam a seu turno e para seus rumos. Ele perdia-se nela. Ela queria ele. Os dois esqueciam-se de ambos em ambos. E se chamavam de “amor”.

2 Comments:

Anonymous Anônimo said...

Tive a impressão de o texto tratar-se de alguém que apenas sobrevive... Que não tem lá muitos prazeres na vida. Que vai vivendo o que todos os outros vivem... Acorda, trabalha e volta pra casa. Que já cansou de tanto sonhar e nunca fazer algo de concreto que pudesse vir a realizar seus sonhos... Talvez porque fosse mais fácil apenas aceitar que sonhos são sonhos e não projetos pelos quais devemos lutar para que sejam realizados.

“Esqueceu-se de si nos sonhos. Esqueceu-se de seus próprios sonhos.”

Então, até mesmo para um sujeito que aparentemente não faz muito pelos seus desejos, algo de surpreendente surge. Não porque ele tenha feito algo para merecer esse acontecimento surpreendente, mas simplesmente porque a vida por si só já apresenta eventos surpreendentes para aqueles que estão vivos.

“Convidou-o ao conhecimento.”

Convidou-o a viver algo além de uma vida igual a vida de qualquer um. Convidou-o a viver algo por si mesmo.

“Ele se salvava nela. Tomou-se de paixão, pobre homem.”

Ele se salvava de uma vida em que não vivia, uma vida que parecia não ser dele, e que não sabia o quanto tinha de si naquilo que fazia cotidianamente, provavelmente nada.

“Os dois esqueciam-se de ambos em ambos.”

No entanto, penso que assim como anteriormente ele esquecia-se de seus próprios sonhos, esta salvação proporcionada por ela, e não construída por ele, aponta para uma provável nova fuga dele em relação ao seu compromisso com sua caminhada. Porém, não sejamos muito rígidos nas questões do amor, ser consciente o tempo todo cansa, e não é saudável... Deixemos ele se entorpecer um pouco nesse amor.

31 dezembro, 2006 12:04  
Anonymous Anônimo said...

Ah, isso só me lembrou a música.
"Quando você chegar" é a música?
Não lembro.
Mas agora acho que sim.
Quase certeza, por causa das coxas. =]
Lindo.

09 janeiro, 2007 18:55  

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