quinta-feira, maio 28, 2009


Foto: Pascal Renoux
Uso a foto dele porque, mais perfeita que essa imagem, só se fossemos eu e ela.



Mais uma vez

impróprio para menores de (amoros)idade

Acordei várias vezes à noite com a tua ausência me fazendo um zumbido, ensurdecedor. Como não havia ido dormir. Deitara-me na tranqüilidade do incômodo silencioso das famigeradas conclusões que nossas últimas palavras nos impõem inexoravelmente. Mas mesmo assim, levantei-me com a sede do teu dorso junto ao meu, meio perdido, meio sem saber porque.

Um torpor que só se realiza no teu beijo. E dei-me pouco aos pensamentos e muito mais aos afazeres. Falível solução que tomou as aspirações, várias vezes. Como o ambíguo na estafa pela resistência da insistência da afirmação da tua presença no contar das horas; como se fosse a minha e a tua vida, algo conexo. Até debruçar-me na confissão da sede do teu corpo. Como quando te encontrei no outro dia. Como quando tudo sumiu na tua presença; quando como tudo ainda some na tua presença.

Abracei-te com leve carinho e entrega – aos motes que os limites estabelecidos permitiam – que comungamos ao encontro sorridente e de energia brilhante. E lembrei dos cantos escuros em que nos entregamos ao ensejo fervilhante de nossas peles. No toque, no olhar, no teu cheiro tão inebriantemente meu; na firmeza que tua mão segurava a minha apoiando-a no teu colo, até falecermos no sono; no toque da mão que treme lancinante pra realizar o corpo.

Como quando te disse “eu te amo” e teu abraço soltou todo o ar do teu peito, num sorriso. Foi como quando, eu, adentrando os teus segredos, te fizera soltar o dorso sobre a cama libertando qualquer tensão na inexatidão complacente de dois mundos que se tornam um e apagam o universo por completo. E assim lançamo-nos à cadência tênue do ritmo torpe que nos assumira o controle das faculdades, deitados no cantar de um blues, que nada mais é do que nosso, para compor a paisagem da aglutinação que subverte qualquer querela em amor.

E o vento... Ahh! O vento atravessando nossas narinas demarcando o compasso do peito que respira uno num turbilhão sinestésico agonizante e confortante ao mesmo tempo. Só eu sei o gosto que tem a tua pela na minha boca; o som contido que tem tuas confissões silenciosas no meu ouvido enquanto te empurro, te puxo, te assopro, te trago e te levo onde não fomos ainda e te forço à superação da falácia do momento pedindo o som sussurrado do sim, que me desfavorecia tão econômico em outros momentos. Agora ele é abundante, quando me enclausuro no teu pescoço e me deixo embevecer do teu cheiro, num misto doce do teu perfume e lascivo da tua pele. Ele penetra o parco intelecto e atravessa minhas lembranças, imantando a profusão de sensações até chegar à minha nuca onde meus pelos levantam-se em louvor à tua presença e encontram a tua mão com meus cabelos entre teus dedos para segurar o fulgor das portas abertas e janelas atravessadas.

E pela cadência que se elege o momento de ter-te trançada no meu tronco, ofegante pelo que o olhar já não capta, e integral no que dois corpos falam em uma só língua. Sem dúvida, sem semelhante possibilidade de turvos pensamentos, sem nada... No vazio do momento em que só existe um, eu e tu. E pobre dos ponteiros, posto que nem relógio existe mais. Somente a iminência gradual da explosão que toma conta de tudo... Do ar, do chão, do som, da luz (ou da falta dela), enquanto só me é permitido olhar teu seio e ver-te ensandecida de nossa existência, soltando todo o ar do peito e deitando o pescoço do lado pra atrair as ranhuras que te fazem minha barba, e me recebendo com a pélvis ouriçada e oscilante. É, então, que tua pureza do desejo mais visceral me rouba a contemplação e me aperta sobre o teu corpo num andamento já acelerando, num abraço que pede mais, e mais.

Entregue à ti, à nós, sou ali, como somos em qualquer tempo, e te entrego confissões pequenas no ouvido à que somos tomados pelo corpo, descortinados do desejo viral, desprovidos do pudor, sujeitos à animalidade, debruçados de fervor carnal. E é que suados, um no outro, explodimos de vida no louvor da existência naquele momento. O único momento em que somos realmente inteiros e vigorosos no amor; entregues e fabulosos; companheiros na cura da dor. Quando todas as instâncias são uma só; quando juntam-se as partes em união completa e só nos resta o desfalecimento do abraço e o beijo que acalenta e fecha tudo: o agora! Entorpecidos um do outro, lançamo-nos no nada para a companhia total.

E foi dessa sede que me atulhou os pensamentos tua ausência. Essa saudade que me foi contenção da inevitável certeza. A de que, à despeito do inatingível patamar de uma mesma língua e do entendimento... Antes de tudo isso, nosso amor é belo quando somos mais que nossas querelas...