quarta-feira, agosto 23, 2006


Sobre estar só IV - Do que se almeja maior

Qual será o verdadeiro significado de tantas lágrimas alheias nos desencontros? Por que será de tantas lamúrias ao perceber que é necessário deixar as coisas para trás, que é necessário abrir mão das pessoas; que nem tudo é eterno?
- Sabe? Não consigo entender mais o que ele quer! Só fica com as mesmas fixações de sempre; só pensa nele mesmo e parece que não temos mais graça um pro outro. Não tenho mais segurança de falar as coisas para ele, ele nunca escuta! E quando finalmente estamos chegando à algum lugar ele foge da conversa...

- Foge como?
- Sei lá, muda de assunto ou concorda com tudo só pra acabar o papo. É como se eu estivesse perturbando ele!
- Está?
- Pelo jeito... Enfim, já não temos mais os mesmos gostos; não somos um para o outro! É como se eu não tivesse nada novo, diferente e interessante mais que o despertasse dessa passividade. Não dá. Ele não é mais o mesmo e nossos caminhos já não se conectam mais.
- Mas Cláudia, ele só não quis ir no cinema hoje!
- É, mas isso é só a superfície. Não dá mais. Acabou!


- Ai, não sei! Sinto falta dele. Fico lembrando de quando ele tava aqui do meu lado e antes que eu achasse que estava feia ele passava a mão na minha cabeça por cima da orelha e me segurava como se eu coubesse na palma daquela mão. É difícil sem ele.
- Mas não era pior com ele?
- Eu sei, mas sabe? Sinta falta até de brigar com ele...
- Cláudia, não faz nem dois dias.
- Poisé, mas achamos melhor voltar. A gente se ama, não podemos esquecer disso.

A deprimência de quão volátil as relações podem ser só se equipara à dependência desses seres à certas pessoas ou situações. Pode ser que o campo dessa observação que esteja me limitando, mas é tudo tão precipitado, que num tempo em que “tudo parece não ter lógica, qualquer paranóia (virou) prazer”. A ilusão fantasiosa do romance toma conta das decisões tanto na morbidez do contrato (supostamente) vitalício, quanto na negação dela - encontros tão efêmeros quanto o ir e vir do ar; a supremacia da superficialidade na tentativa cruel de esconder a contraditoriedade latente no homem.
Casais e mais casais com a doença perene de se afogar nos outros. Quando estão juntos não se aturam e quando as coisas tem tudo para ficar bem, o dia-a-dia nos mostra sua faceta cruel: a banalidade.
Entregar-se em uma relação é a única condição de experimentar algo sublime, que nos distancia de nossa mundaneidade: o amor. Só não creio no amor como um discurso barato e consumível. Amor é experiência, e são poucos os que tem a oportunidade de uma entrega tão alimentadora. Estar em companhia não significa estar acompanhado (ou ter acompanhante), muito menos, depender viceralmente de qualquer outro ser. Estar com alguém para se alcançar tal liberdade e criatividade só é possível na medida em que se experimenta uma relação sensata com a solidão. A apropriação dos meios técnicos de comunicação e de experimentação aglutinaram uma série de idéias e idealizações que são programadas em nossas vivências como um elemento usual. A transformação da mensagem literária em elementos visuais exacerbados e discursos de amor marketeiros, disseminam uma vivência relacional que em muito é importada; não nasceu com suas raízes fincadas no quarto de quem a experimenta. Portanto, dada uma – muito mais do que tendência – ordem de comportamento em prol do consumo sutil, não apenas de matéria, bem como um modelo de modo de vida, em muito, nos vejo reproduzindo uma proposta de relação que não necessariamente foi elaborada e vivida nela, foi importada de outra referência.
Assim o amor está em muito ligado a readaptações de idealizações antigas, romantismos encrustrados na necessidade do homem de se descolar da realidade para experimentar conforto qualquer. Se o que rege não é a ânsia pelo conto de fadas, o felizes para sempre, o império do individualismo toma conta de tudo para justificar o egoísmo e o medo de viver a contradição.
A paixão, a excitação, o fulgor, a empolgação, ou qualquer outra coisa são experiências do homem. São fruto de uma forma de exaltação da própria condição de existência de um ser que ainda vive em função de seus medos, seu egocentrismo. Tudo isso não se confunde com o amor. Amor significa, antes de mais nada, reconhecimento da individualidade; bom senso; um caminho para a sabedoria.
Entristece ter de reconhecer que qualquer afã emocional ou qualquer pulsação carnal está associado ao amor. Nos vejo cada vez mais em uma dependência em vez de amor. Confusão coletiva sobre si e muito mais sobre os outros. Pessoas dependentes de “amores” anteriores, que há muito já não constroem nada, e muitas vezes já não são nem mais uma relação, apenas uma idealização.
Todo mundo quer um amor. Mas nem todos encontram algo consistente o suficiente para experimentar tal regalia. Dizia muito a uma amiga que gostar é só o primeiro passo. Relação é trabalho. Estar do lado de outra pessoa é um salto no escuro. A paixão é o que te ferve para a proximidade, que te joga junto a alguém e te faz ter vontade de rodar o mundo para trazer um pedaço de nuvem do sudeste do Tibet só para suscitar um sorriso. É o atrativo. Além dele, tem a estética, o encontro físico sobre o qual não me vejo sensato em falar. Quem não sabe lidar com atração física depois de uma certa idade precisa voltar a assistir Malhação ou qualquer dos moralismos baratos do Manuel Carlos. Amor não. Amor não é espólio da explosão, fulgor... É brado de aclamação. Enaltecimento de algo real, de pé pisado na areia. É mérito de trabalho realizado. Isso não morre. É eterno. Nem com o fim da relação e muito menos com a morte do corpo. É uma experiência que se perpetua. A relação obedece a as contingências do momento, do contexto, o sentimento permanece sempre. Se foi verdadeiro, se foi construído não desaparece. Só se vê assim quem se vê só. Quem já teve que abrir mão do mundo por uma dor e viveu tal empreitada sozinho. Só tem um companheiro quem é companheiro de si antes de mais nada.
Não é o mel que define uma relação. Na verdade, não há relação que permaneça imutável. O ser humano é mutável. Há aqueles que insistem no ostracismo do medo da mudanças, mas pouco vejo neles que seja mais do que medo do novo. O ser humano é inexoravelmente mutável (não me darei em argumentos em favor dessa idéia). O sustentáculo de algo que tem intesões de perdurar não é e nunca será nossas idealizações, nossas ilusões do o outro deveria ser. Um amor só se realiza em na contradição. Uma relação tem que ter sorrisos, mas vejo nos desencontros a oportunidade de reconhecimento verdadeiro. Só através dele que duas pessoas poderão almejar algo. O que constrói algo que almeja ser eterno não é a quantidade de beijos e presentes, o “nível” de paixão ou qualquer pulsação emergente. No dia-a-dia, só o respeito não distancia, o reconhecimento das individualidades. Em uma palavra: tolerância. Talvez se existisse nessa idéia superficial de amor um pouco mais de tolerância as pessoas durariam mais juntas, ou seriam mais profundas juntas.
Só enfrentando o medo de se ver só sem seu alvo de confirmação é possível tatear a solidez segura em meio ao desespero solitário. É necessário casar-se consigo mesmo para entregar-se a outra pessoa. Não se tem a pretensão de que a relação deve ser algo pensado e sensato em absoluto. O homem é espontaneidade e se não alimenta suas dimensões passionais e carnais não creio que poderá almejar algo mais. A questão é alimentar-se de si mesmo, para não perder-se no outro, na relação ou (pior) na pura idealização. Apaixonar-se por si na emoção, no encontro, para não inebriar-se alucinogenamente na ilusão, na fuga do desencontro.
“Não existe amor sem medo. Boa noite”


Que a Força esteja conosco...
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* citações e referências – Djavan e um dos poucos acertos (pra não dizer quase nenhum) do Jota Quest.