- O que foi?
- Me beija.
- Deixa de besteira, menino... – ela puxa-o pelo braço.
- Besteira? Me beija.
- Pára, por favor, ta todo mundo olhando.
Ele ri.
- Deixa olharem... – olha pra ela em silêncio – Tu não entendes, né? – ela olha enrubescida, com ar de dúvida – Eu não estou aqui por causa deles... Estou aqui por tua causa.
- Mas estamos no meio de uma praça e já ta pra chover. – insiste ela tentando se convencer que sua eloqüência iria dissuadi-lo.
- Deixa o mundo, as pessoas. Que olhem... Que molhe. Vê? Estou vivo, novo, nulo, despido, por mim, por ti, por tudo... Sou eu, aqui. Não vou ousar deixar que te roubes o sabor do presente comigo. Não é de beijo que morre o mundo, ou falece tuas certezas. Te entrega na possibilidade de sorrir por algo novo, muito além das fronteiras que criaste pra ti até agora. – ele respira. Olha pra ela com um encantamento gracioso. Ela não entende... Dá-se à um tento de raiva ao pensar dele como sendo exagerado. - Nem sei quais são essas fronteiras. Não as tenho, porque larguei-as quando te vi. Soltei as amarras pra me jogar nos teus braços. É o que te peço agora, te entrega pra mim... me beija.
Ela irrompe a discussão e num ímpeto apressado, lhe entrega o beijo. Dado.
- Pronto – diz. E continua a puxá-lo
- Não... Não quero só tua boca. Te quero inteira! Quero que te jogues nos meus braços; quero teu corpo, tuas querelas, tua perdição; quero que te deites comigo aqui e agora!
- Tu só podes ser doido...
- Deita ali na grama comigo.
-Ta suja.
- A gente lava!
- Vai chover.
- A gente se molha!
- Ai... Pára, por favor. Vamos! – ela puxa-o pelo braço. Ele não vai. Fica parado.
- Eu não tenho lugar pra ir. Eu estou aqui. Pra resolver tua cabeça, eu sei te explicar de tudo... Da limitação do momento, da previsibilidade da paixão, da finitude da empolgação, do fim do espaço, do começo do tempo, do peso do amargo, das dúvidas das mágoas, do ardor de todos os problemas... Do limite de qualquer declaração vívida... Eu sei. Eu sei do medo. Eu não sou isso. Não sou o medo, não sou a preocupação com as limitações. Sou o fulgor inebriante do toque da tua pele; o arrepio que me causa o teu sorriso, a calma tenra do teu olhar... Sedento de carinho, de revelação, de claridade, pedindo pra escancarar o que borbulha aí dentro. Sou o relógio sem ponteiros, a quase loucura que recria a vontade de acreditar em mim, em ti, em nós... Juntos. Como poucas vezes fui e foste. Juntos... Num só sorriso. – ele faz uma pausa. Pega na mão dela e diz – Não vem me falar dos limites... Larguei-os lá no início quando as janelas começaram a pular. Estou aqui pra me ver no teu olhar, no rubor do teu rosto quando eu falo o que queres ouvir – ela enrubesce – Ta vendo! - diz ele – deita na grama comigo? A gente faz amor se olhando, num beijo, num abraço que me faz casa teu casulo, tua pele doce e tua rosa orvalhada...
- Quê?!
- Fecha a porta do passado e de tudo o que não somos nós... Anda! Ousa, vai... Te lança na escuridão que somos na potência de realização do que pretendemos...
- As coisas não funcionam assim...
- As coisas funcionam? O que funciona nessa doideira de mundo? Não funcionam... Meu coração, me desculpa, não funciona. Ele pára toda vez que te vê. Toda vez que de soltas mais nos meus paparicos, nos meus sorrisos.
- Tá! E depois? Isso é o início. É sempre assim eu quero ver depois.
- É o início. É pra ser o início, não? Quer começar pelo fim... Depois não existe. Não sou o amanhã, sou o agora. E a minha vida já passou demais pra ficar nessa preocupação. Não temos tempo. O sempre é o agora, o hoje. O depois é ânsia de perpetuação do sorriso que temos um com o outro.
- Entendeste o que eu quis dizer...
- Entendi. E ainda sim, te afirmo, olhando nos teus olhos, segurando a tua mão, na praça prestes a chover, que sou mais do que isso, e podemos muito mais juntos. Não quero entrar num quadrado, quero a roda-gigante, o parque de diversões, o abraço nervoso, o carinho real e vivo. Deixa eu velar o teu sono. Te assistir dormir, pra acordares enrubescida, pensando mil bobagens. O tempo nem existe e nosso relógio parou desde sempre.
Silêncio. Ele continua a olhá-la. Com o mesmo carinho de outrora, com a mesma vontade de abraçá-la.
-Deita na grama comigo?
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